Sergio Casoy Ópera

A VIÚVA ALEGRE

13/11/2010

A RAINHA DAS OPERETAS

Sergio Casoy

 

Franz Lehár nasceu em 30 de abril de 1870. Embora sua família tivesse ascendência húngara, ele era oficialmente austríaco, pois nascera em Komáron – hoje na República Checa –, cidade às margens do Danúbio que então fazia parte do Império Austro-húngaro.

Franz (ou Ferenc, em húngaro), viu-se envolvido pela música desde que veio ao mundo, já que seu pai era o orgulhoso maestro da Banda do 50º. Regimento do Exército do Império. Após se formar com apenas 15 anos em regência e violino no Conservatório de Praga, Franz ingressou no exército e tornou-se músico da banda do pai. Não demorou muito para que ele também se tornasse regente militar, passando a conduzir bandas de regimentos de infantaria estacionados em Trieste, Budapeste e finalmente – sonho dourado de qualquer músico do império – Viena. Nesse meio tempo, compunha. Em 1896 conseguiu terminar Kukuška, uma ópera enorme de argumento russo, que foi um fracasso de igual tamanho ao estrear em Leipzig.

         A fama chegou, repentinamente em janeiro de 1902, com a acolhida extraordinária de sua nova valsa Gold und Silber (Ouro e Prata), que lhe havia sido encomendada pela Princesa von Metternich para a abertura de seu baile anual em Viena. Impulsionado pelo sucesso da valsa, ele abandonou a carreira militar e tornou-se oficialmente compositor de operetas. Escreveu, naquele mesmo ano, Wiener Frauen (Mulheres de Viena) e Der Rastelbinder (O Latoeiro), que estrearam nos dois teatros de operetas mais importantes da capital do Império.

Apenas três anos depois, Lehár passou à história. Seu passaporte para a imortalidade foi obtido através de sua quinta opereta, Die Lustige Witwe (A Viúva Alegre) cujo retumbante êxito fez dele o herdeiro absoluto da tradição vienense de Johan Strauss II. Com A Viúva Alegre o gênero opereta fez sua entrada triunfal no século XX impregnado da mesma energia e cercado pelo mesmo carinho do público de que desfrutava no século XIX, chegando ao século XXI com a mesma força e carisma de sempre.

         A narrativa das peripécias da mais alegre e simpática de todas as viúvas estreou em 30 de dezembro de 1905 no tradicionalíssimo Theater an der Wien, o mesmo que vira nascer, entre suas paredes, não apenas o Morcego de Johann Strauss II, mas também Fidelio, a única ópera de Beethoven. O sucesso, além de merecido, foi imenso. Até hoje, é a opereta mais representada do mundo, em suas várias versões nos idiomas dos países pelos quais vai passando.

                   Seus libretistas Viktor León e Leo Stein (cujos nomes reais eram Viktor Hirschfeld e Leo Rosenstein) inspiraram-se na peça de teatro francesa L’attaché d’ambassade (O Adido da Embaixada), da autoria de Henri Meilhac – conhecido entre os amantes de ópera por ter sido um dos libretistas da Carmen de Bizet – que lhes chegou às mãos através da tradução alemã Der Gesandschafts Attaché, elaborada por Alexander Bergen. León e Stein concretizaram a proeza de transformar uma comédia elementar, envolvendo romance e uma herança, alegre mas comum – francamente, não é o melhor texto de Meilhac – em um celeiro de oportunidades para que o compositor pudesse dar livre vazão à sua veia melódica inspirada, criando passagens inesquecíveis que fariam dessa partitura o sucesso internacional que é.

                   Os temas do libreto, o qual disfarçadamente consegue carregar consigo certa crítica social bem-humorada, são clássicos: o amor, o dinheiro, o ciúme, a infidelidade e a fidelidade conjugal. Mas os libretistas abriram mão de parte da plausibilidade dramática para que o compositor pudesse utilizar-se ao máximo de um elemento que torna o desenrolar da ação muito agradável pela música que carrega consigo e visualmente belo pela possibilidade das cenas de conjunto: o baile.

O baile é o centro de gravidade de cada um dos três atos, empregado com tal freqüência e habilidade a ponto de alguns estudiosos alemães definirem a obra como Tanzoperette, opereta dançada. No primeiro ato, o baile oferecido pela embaixada é de gala, mundano, no melhor estilo que a alta sociedade parisiense ou vienense se habituara a freqüentar; no segundo, temos um baile folclórico, quase um baile de máscaras na casa da viúva Glawari, enquanto o terceiro ato está centrado numa reprodução das folies do “Maxim”, o cabaré mais famoso de Paris, com suas dançarinas. Além disso, Anna e Danilo rendem-se ao amor após dançarem, a sós, A Valsa da Viúva Alegre, nome pelo qual o tema musical mais famoso da opereta é conhecido entre nós.

                   Com 103 anos completos e bem vividos, A Viúva Alegre continua tão faceira e cheia de vivacidade como no dia em que nasceu. Será que é por isso que o mundo musical a apelidou de A Rainha das Operetas?

download do texto completo em PDF